Os limites do humor à luz da perspectiva de direitos fundamentais de Robert Alexy

Por Luiz Henrique Lopes Rodrigues e Artur Kennedy Aragão Paiva

Paiva & Osterno - Advocacia
8 min readNov 8, 2021

A presente publicação é um resumo do artigo de mesmo título publicado nos Anais do X Encontro Internacional de Direitos Culturais, promovidos pela UNIFOR.

1. INTRODUÇÃO

Determinadas normas consagradas na Constituição podem ser classificadas como normas de direito fundamental, isto é, aquelas consagradas no Título II. Assim o são, pois, guardam direitos, garantias e liberdades fundamentais de um Estado democrático de Direito.

Frequentemente tais normas entram em conflito diante de suas características de maximização da regulação de direitos, ou seja, são contrapostas e colocadas à prova. Isso não é diferente para a liberdade de expressão artística e o direito à honra, normas aqui estudadas para elucidar os limites do humor.

Como base para essa elucidação, convém utilizar a teoria dos direitos fundamentais propostas pelo alemão Robert Alexy, famoso jurista e influente filósofo do Direito. Essa teoria traz à tona o conceito de norma de direito fundamental, além de classifica-la como regras e princípios. Aqueles são normas mais específicas, enquanto estas possuem um maior grau de generalidade.

Desse modo, este artigo tem como objetivo analisar a colisão entre os princípios da liberdade de expressão artística e do direito à honra, à luz da teoria de direitos fundamentais de Robert Alexy.

2. LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA X DIREITO À HONRA

2.1. Direito fundamental da liberdade de expressão artística

Em um Estado Democrático de Direito, as garantias e liberdades inerentes ao indivíduo são consequências de um modelo que as destaca dentro da Constituição. No Brasil, os direitos e garantias fundamentais estão dispostos no Título II.

Dentro do Título, a liberdade de expressão artística, corolário da liberdade de pensamento, é trazida no art. 5º, inciso IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual versa: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (BRASIL, 1988).

Dentro dessa perspectiva, destaca-se a comédia. Essa encontra seu principal fundamento na liberdade de expressão, seja ela de pensamento ou artística, uma vez que é conferida aos diferentes tipos de humor a possibilidade de expressar as características sociais, políticas e culturais de um determinado local em certo período da história.

Na conjectura moderna surge o stand-up comedy, a qual o humorista ou ator se apresenta sem o uso de qualquer cenografia ou adereço, trazendo piadas do cotidiano, muitas vezes rápidas e improvisadas, marcadas por curto intervalo de tempo entre elas.

Em razão disso, é comum que humoristas e atores que se apresentem de acordo com a modalidade utilizem piadas pejorativas e desenvolvam sátiras politicamente incorretas sobre determinado indivíduo ou grupo de pessoas, suscitando a discussão acerca dos limites conferidos pelo direito fundamental de expressão artística.

2.2. Direito fundamental à honra

Os direitos da personalidade, diante da nova ordem constitucional, gozam de especial proteção do direito brasileiro. Isto se justifica, tal qual a liberdade de expressão artística, a partir da promulgação da Constituição Cidadã de 1988, que coloca o indivíduo como fundamento da sociedade, outrora marcada por ideais tradicionalistas e conservadores consubstanciados no Código Civil de 1916, essencialmente patrimonial.

Nesta, temos que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988).

Logo, o Código Civil de 2002 também garante respaldo à honra como um todo, abrangendo sua subdivisão, quando afirma, em seu artigo 12, que “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos” (BRASIL, 2002).

3. A PERSPECTIVA DE ROBERT ALEXY DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Tendo em vista o conceito de liberdade de expressão artística, o conceito de direito à honra e suas acepções dentro do modelo constitucional brasileiro vigente, propõe-se a utilização da perspectiva de direitos fundamentais formulada por Robert Alexy para solucionar as problemáticas decorrentes do embate entre ambos os direitos.

O ilustre autor apresenta divisões do conceito de norma, ou seja, as espécies regras e princípios. Assim são consideradas, pois ambas as espécies traduzem aquilo que deve ser, além da possibilidade de serem formuladas por meio dos enunciados normativos deônticos.

A partir da distinção entre tais espécies é estabelecida a base da teoria dos direitos fundamentais, como preleciona o autor: “a distinção entre regras e princípios é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais”. (ALEXY, 2015)

Entretanto, o ponto chave para distinguir regras e princípios encontra-se na caracterização dos princípios como mandamentos de otimização, conforme explica Virgílio Afonso da Silva:

O elemento central da teoria dos princípios de Alexy é a definição de princípios como mandamentos de otimização. Para ele, princípios são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Isso significa, entre outras coisas, que, ao contrário do que ocorre com as regras jurídicas, os princípios podem se realizados em diversos graus. A ideia regulativa é a realização máxima, mas esse grau de realização somente pode ocorrer se as condições fáticas e jurídicas forem ideais, o que dificilmente ocorre nos casos difíceis. (DA SILVA, 2009)

Assim, conclui-se que ambas as normas aqui estudadas são classificadas como princípios, uma vez que trazem alto grau de generalidade em seus enunciados normativos e são caracterizadas como mandamentos de otimização, já que, em condições fáticas e jurídicas ideais, trazem uma ideia regulativa máxima.

Para resolver esse conflito são necessários critérios lógicos e fundamentados. Os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos não são aptos a solucionar essa problemática, porque as normas constitucionais possuem o mesmo status normativo, impossibilitando a utilização do critério da hierarquia, da temporalidade (critério cronológico) ou da especialidade. Todavia, há de se considerar que em determinadas condições, um princípio pode prevalecer sobre o outro, o que Robert Alexy chama de “precedência”.

A conclusão lógica para essa tese é apresentada de maneira clara pelo teórico, de tal forma que ele defende a existência de uma única solução para a colisão entre as espécies normativas denominadas princípios: o “estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstâncias do caso concreto” (ALEXY, 2015).

Com essas conclusões lógicas, o eminente jurista alemão estabelece um critério eficaz para a resolução da colisão entre princípios, a chamada lei de colisão, onde “as condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que tem precedência” (ALEXY, 2015).

A partir disso, conclui-se que há um fundamento teórico para resolver o conflito entre a liberdade de expressão artística, isto é, o direito às manifestações humorísticas, e o direito à honra, proposto no presente artigo.

4. O CASO RAFINHA BASTOS X WANESSA CAMARGO

Diante da perspectiva de direitos fundamentais apontada, convém a análise de casos concretos acerca do embate entre o direito de liberdade de expressão artística, embasado pelo humor, e o direito à honra.

O caso Rafinha Bastos e Wanessa Camargo, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no EREsp nº 1487089/SP, se adequa às pretensões do presente trabalho.

Em 2011, Rafinha Bastos, na condição de apresentador do programa “CQC” — Custe o Que Custar, transmitido pela Rede Bandeirantes de Televisão, após o comentário tecido pelo âncora Marcelo Tas acerca da beleza gravídica de Wanessa Camargo, proferiu a seguinte frase: “Eu comeria ela e o bebê, não tô nem aí! Tô nem aí!”. O comentário provocou risos dos outros apresentadores e das pessoas presentes na plateia.

Então, Wanessa Camargo, seu marido e o nascituro, representado pelos dois primeiros, ingressaram com uma ação de indenização por danos morais contra Rafinha, com fundamento no direito constitucional e nos dispositivos infraconstitucionais que tutelam a honra.

Em sede de primeira instância, o magistrado condenou o réu ao pagamento da quantia de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de indenização por danos morais. Entretanto, os autores, não satisfeitos, recorreram da decisão mediante recurso adesivo, objetivando a majoração do valor da condenação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu o dano moral e majorou a verba para a quantia de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). Outrossim, os desembargadores entenderam que, por mais que Rafinha Bastos tenha se utilizado de recurso humorístico para proferir as palavras, de forma breve, este estava “carregado de informações extremamente negativas, que aviltam a imagem tanto da mulher, como da criança, e reflexamente, do esposo e pai destas, todos atingidos de forma a se ter por comprometida a sua dignidade enquanto pessoas humanas” (fls. 324, e-STJ).

Corroborando o entendimento, o voto do relator da ação no STJ prescreve:

[…] no juízo de ponderação de valores constitucionalmente assegurados (direito de personalidade x liberdade de expressão) afirmou a prevalência do primeiro no caso concreto e, ainda, tomando como base o discurso de diversas pessoas de variadas mídias asseverou que a piada sem graça não seria humor […]

Portanto, à luz da teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy e utilizando-se da lei de colisão, teríamos que, em casos onde há o uso de uma piada carregada de informações extremamente negativas, que aviltam a imagem de outras pessoas (C¹), o direito à honra (P²) precede a liberdade de expressão (P¹).

5. CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo analisar a colisão entre os princípios da liberdade de expressão artística e do direito à honra, à luz da teoria de direitos fundamentais de Robert Alexy, ou seja, definir os limites das piadas de cunho pejorativo por parte de comediantes contra particulares, de modo a se utilizar a lei de colisão proposta por Robert Alexy para tal.

Utilizou-se a lei de colisão, ou seja, a afirmação de que um princípio precede o outro de acordo com as condições estabelecidas no caso concreto, criando, assim, uma regra. A partir dessa lei, era necessário analisar um caso concreto que confirmasse a colisão entre os dois princípios e respondesse à indagação: existem limites para o humor dentro da teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy?

Com efeito, como meio para buscar as respostas ao problema proposto, o caso Rafinha Bastos e Wanessa Camargo foi utilizado, de forma que se confirmou a perfeita adequação da teoria de direitos fundamentais alexyana, bem como se corroborou a ideia de que o direito à honra tem maior peso que o direito à liberdade de expressão artística nos casos em que há nítido aviltamento da imagem de um indivíduo.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.

______. Lei nº 10.406/2002: Código Civil. Brasília, 2002.

_____. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de divergência em REsp nº 1487089/SP. Embargante: Rafael Bastos Hocsman. Embargados: Wanessa Godoi Camargo Buaiz. Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília, 28 de outubro de 2015. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201487089. Acesso em: 09 ago. 2021.

DA SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

SOARES, Frederico Fonseca. A leitura antropológica pelo humor stand up. RBSE — Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 12, n. 35, pp. 480–492, Agosto de 2013. ISSN 1676–8965. Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/rbse/Frederico%20SoaresArt%20Copy.pdf. Acesso em: 09 ago. 2021.

STOLZE, Pablo; PAMPLONA, Rodolfo. Manual de Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, vol. único.

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